Não lhe sei o nome nem de onde veio. Não é velho nem novo. Está ali. Dias e dias a fio. Cumpre o horário e em tempos deve ter usado o hábito de sabedor. Agora arrasta os pés voltados para dentro, curvado pelo peso não sei de quê. Senta-se na cadeira, olha fixamente o monitor do computador que o adoptou quando veio pela primeira vez e ali gasta as horas que lhe devem dar para arranjar o pão que não come aqui. Nunca come. De que viverá? Das letras dos documentos que amplia para ver melhor? Dos cheiros de quem passa? Dos risos dos intervalos? Das vozes esganiçadas? Das visões mais ou menos transparentes?
Não sei o porquê da vinda e também me esqueci do quando. Parece-me ver ali há séculos aquela alma. Penada, mais se assemelha. Não fala com ninguém e da voz só lhe ouvi um murmúrio, uma vez, a atirar uma reza de foda-ses, de enfiada, sem lhe perceber nem o olhar nem a intenção.
A sensação de desconforto cresce enquanto ele examina, medindo, várias vezes quem entra e sai da sala. Pára nos traseiros, abana a cabeça, faz esgares e depois como se uma corrente eléctrica o atravessasse estica o corpo e volta à posição encolhida de ver textos e figuras ampliadas.
Vejo-o a meter o dedo no nariz, a ciciar foda-ses e a limpar os dedos às calças. Abana, cúmplice, o dedo espetado-já-te-cacei para o monitor enquanto lhe vejo o primeiro sorriso de hoje!
Deuses, para que caminhos andamos nós guardados?